Quando uma mulher sai da universidade após concluir um curso no segmento de tecnologia o mercado de trabalho é difícil. Elas não têm acesso a papeis criativos, feedbacks construtivos e sentem que estão estagnadas na carreira. Esses são alguns dos fatores mais significativos que contribuem para o desgaste feminino do campo tecnológico.

 

Apesar de 80% das mulheres dos setores de ciência, engenharia e tecnologia afirmarem que amam a área de atuação, 56% abandonam o setor antes de ultrapassarem o ponto intermediário das suas carreiras. Ou seja, sem assumirem cargos de alta-liderança mesmo após terem acumulado experiência de uma média de 10 a 20 anos de atuação profissional.

 

Uma das razões é a dificuldade em sentir-se parte da equipe e ter visibilidade e reconhecimento pelo trabalho realizado. Além disso, as áreas de Recursos Humanos ainda hoje estão despreparadas para lidar com as demandas específicas do setor de Tecnologia da Informação.

 

Estas são algumas das conclusões do E-book Mulheres Líderes na Tecnologia: Como promover a equidade de gênero e reter talentos nas empresas, que será lançado no dia 27 de julho em São Paulo. O lançamento acontecerá das 19h às 21h30 no WeWork (Avenida Paulista, 1374), e terá em sua programação o painel “Promovendo a equidade de gênero nas empresas de tecnologia”, com as participações de Maitê Lourenço (BlackRocks), Juliana Maia (ONU Mulheres), Rodrigo Vianna (Talenses) e Bárbara Castro (Unicamp).

 

O material é resultado das conclusões obtidas no evento Mulheres Líderes na Tecnologia, que ocorreu dois meses antes também na capital paulista e que ofereceu mentoria e orientação de carreira para mulheres que estavam em busca de oportunidades no ramo de tecnologia e aprimoramento às estratégias das empresas para a contratação de mais mulheres para as suas áreas de TI.

 

Durante o evento, cerca de 70 mulheres que atuam no mercado de tecnologia falaram abertamente sobre as maiores dificuldades para quem entra neste mercado e os seus principais objetivos a serem traçados.

 

Uma pesquisa realizada pelo Grupo Estratégico de Análise de Educação Superior no Brasil (GEA) afirma que as mulheres representavam apenas 10% dos alunos do curso de Tecnologia em Redes de Computadores e somente 19% dos alunos do curso de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, enquanto no curso de Pedagogia elas equivalem a quase 95%.

 

E para piorar uma situação que já não é nada fácil, de acordo com a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD), cerca de 79% das mulheres desistem do curso de Tecnologia da Informação ainda no primeiro ano.

 

 

 

Isso acontece por fatores que começam na infância – as meninas não são incentivadas a sequer brincarem com coisas que estimulam o raciocínio lógico. Além disso, estas questões são reforçadas diariamente por fatores externos – quando a sua capacidade é desacreditada, quando questionam as suas ideias ou quando interrompem a sua fala, por exemplo.

 

“Ainda, muitos departamentos de Recursos Humanos não estão preparados para lidar com a inclusão de mulheres e grupos sub-representados em suas empresas, e um outro sentimento bastante comum relatado pelas participantes é a postura de desconfiança e de descrédito em relação ao seu potencial”, afirma Carine Roos, fundadora da UP[W[IT e co-idealizadora do evento Mulheres Líderes na Tecnologia.

 

Quando a mulher chega a uma entrevista de emprego a situação continua desconfortável: de acordo com o relatório “Women in Tech: The Facts” produzido pelo National Center for Women In Technology (NCWIT) em 2016, é possível gerar desconforto em uma entrevista mesmo sem ser algo intencional.

 

A performance das candidatas pode ser prejudicada, caso o time de recrutadores não atente para algumas situações sutis que podem induzir constrangimento, como por exemplo se o time for composto exclusivamente por homens ou não apresentar diversidade étnica; a entrevista conter pegadinhas, como por exemplo pedir para a candidata defender suas decisões de implementação em um código; ou incluir comentários, questões ou linguagens que carreguem estereótipos ao descrever a cultura da empresa, até mesmo buscando validar a adequação cultural das candidatas.

 

Perguntas relacionadas ao estado civil das candidatas e se elas são mães ou não também são discriminatórias e intimidadoras. A questão salarial também pode ser uma barreira intransponível para as mulheres: das 154 inscrições recebidas para o workshop Mulheres Líderes na Tecnologia, apenas 61% das mulheres se sentem à vontade para negociar o salário caso elas não se sintam satisfeitas com a proposta.

 

Já no ambiente de trabalho, a visão das mulheres que trabalham em tecnologia é de que as empresas precisam urgentemente mudar para promover um ambiente mais inclusivo e benéfico para elas. Isso porque em um ambiente predominantemente masculino, muitas mulheres não se sentem à vontade para fazer perguntas ou errar. Por não ter pares, cotidianamente convivem com piadas machistas e sentem o seu conhecimento testado.

 

De acordo com o E-book, os ambientes de tecnologia propiciam pouco espaço para a colaboração, a troca de conhecimento e o aprendizado. Nesse ambiente, as mulheres não sentem confiança em tirar dúvidas com os colegas sobre os trabalhos.

 

“Diariamente as mulheres sofrem preconceito de gênero simplesmente por serem mulheres. Na área de tecnologia isso também acontece e muito. Para algumas pessoas ser mulher e ser tecnicamente boa ou engenheira são ideias que não parecem ser compatíveis. Esse tipo de pensamento impede o crescimento de carreira das mulheres. Além de não serem levadas a sério e nem serem tratadas com respeito, elas são muito mais exigidas e cobradas para desempenharem a mesma função que os homens e ainda com salários menores”, resume Carine Roos.

 

Um exemplo claro da discriminação pelas quais as mulheres passam quando trabalham com tecnologia é um estudo norte-americano sobre a plataforma de desenvolvimento de software livre GitHub em que foram analisados 3 milhões de transações realizadas por um conjunto de 330 mil usuários (dos quais 21 mil são mulheres). Essas transações consistem no envio de uma contribuição de código aprimorando um programa de computador ou corrigindo alguma falha. Na dinâmica de funcionamento do GitHub, essas contribuições podem ser aceitas pelos mantenedores do software, ou rejeitadas.

 

O estudo mostrou que, de modo geral, as mulheres tendem a ter suas contribuições de código aceitas mais frequentemente (78,7%) que as dos homens (74,6%). Se forem consideradas apenas as contribuições vindas de pessoas que não sejam membros ativos de um projeto de software (ou seja, que não tenham ainda estabelecido um laço de confiança mais forte com os demais desenvolvedores), as mulheres têm suas contribuições aceitas com mais frequência (70%) do que as dos homens (65%) apenas quando a identidade de gênero não é explícita ou possível de se inferir com facilidade baseado no nome de usuário ou na foto do perfil. Isso pode sugerir um maior rigor e qualidade no código desenvolvido por mulheres.

 

Entretanto, caso as contribuições externas venham de pessoas com clara identificação de gênero, a disparidade de aceitação é a mais ampla e desfavorável às mulheres, com apenas 58% sendo aceitos.

 

A solução para o ambiente pouco ou nada receptivo para as mulheres nas empresas de tecnologia passam por empresas mais bem treinadas para receber e manter estas profissionais em seus quadros de funcionários, estarem atentas a situações de assédio, machismo e misoginia e apurar qualquer denúncia a esse respeito, sem questionar a reputação ou a posição profissional dessa mulher.

 

“Além disso, os homens precisam entender que a mulher tem a mesma capacidade que eles para ocupar tanto cargos técnicos em tecnologia como posições de liderança. E isso não deve acontecer apenas quando chegamos à idade adulta, isso deve ser uma aprendizado da infância constantemente reforçado ao longo da vida”, finaliza Carine Roos.

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