Vivida por Pathy de Jesus, Adélia Araújo é a única mulher negra entre as protagonistas de “Coisa Mais Linda”, série brasileira que é a nova grande aposta da Netflix, que preenche todos os requisitos para uma produção boa. Do roteiro, ao figurino, passando por fotografia e trilha sonora.  Série com cara de série, sabe? E brasileira.  Dito isso, eu queria muito ser mais positiva sobre “Coisa Mais Linda”. Mas, de novo:

 

Adélia Araújo era a única mulher negra entre as protagonistas.

 

O roteiro é uma mistura de sucessos como “Girls” e “Sex and the City” (HBO), mas com o fator histórico, presente em “As Telefonistas” (Netflix) e o de drama pesado, como “Big Little Lies” (HBO). Logo, trás histórias que giram em torno de um grupo de mulheres, todas amigas, mas diferentes umas das outras.

 

A diferença é que “Coisa Mais Linda” faz o que muitas produções brasileiras não têm conseguido fazer atualmente: se aprofundar, sem medo, na conversa sobre o feminismo. Outra diferença importante na comparação com essas outras séries (exceto Big Little Lies), é que a série brasileira tem uma personagem negra entre as protagonistas.

 

Dito isso, eu queria frizar que é sim muito importante a representação de Adélia, principalmente na maneira com que ela se impõe para a sócia Malu, para explicar que o sofrimento da mulher negra é ainda maior, como na cena abaixo, que viralizou antes mesmo da estreia de “Coisa Mais Linda”.

Mas, de novo, preciso lamentar: Adélia Araújo é a única mulher negra entre as protagonistas de “Coisa Mais Linda”. Isso limita uma personagem que poderia ser muito mais do que outras mulheres negras da ficção, principalmente aquelas em histórias de época.

 

Embora tenha sido muito difícil aguentar Malu (Maria Casadevall) nos dois primeiros episódios da série (juro que a primeira coisa que pensei quando ela apareceu foi: ‘pobre menina rica’) ela tem plots muito importantes na série: o combate a violência patrimonial e ao o slut-shaming*.  Além de ser um exemplo de empreendedorismo feminino. Já a Thereza (Mel Lisboa) é a mulher prafrentex, feminista assumida, bissexual (não tão assumida assim), mas com suas fraquezas – e tudo bem. E Lígia (Fernanda Vasconcellos) é o combate à violência doméstica, psicológica, de gênero. É também a demonstração que a face do aborto é a de uma mulher normal, com sonhos de construir uma carreira.   

 

Por fim, Adélia. Me enchi de esperanças para um desenvolvimento de personagem quando ela convence Malu a fazer uma parceria de 50/50 no bar Coisa Mais Linda. Mas a primeira temporada acaba e a gente não conhece a Adélia empreendedora. Ela está mais para uma Adélia assistente.

 

E você sabe porque? Porque ela era a única mulher negra da história e isso é exaustivo. Cabe a Adélia ser o símbolo de luta, de garra, de não poder jamais mostrar fraqueza. Adélia acaba sendo também o pilar educador das amigas contra o racismo, a wikipreta, se você preferir um nome.

 

Adélia é o gancho da série para mostrar representatividade negra para além dela, por meio dos personagens do seu núcleo. Mas tais personagens não ganham suas próprias histórias – você sabe sobre a carreira do Capitão? – e/ou estão ali de decoração, só para dizer que a Netflix não pensou em colocar pessoas negras na favela.

 

Adélia, é claro, é empregada doméstica. Mais obviamente ainda, teve um caso com o filho dos patrões, que afastaram o filhinho querido para não casar com a faxineira preta.

 

Ao reencontrar o grande amor, Adélia virou a amante. A outra. Porque o ex-patrãozinho não resistia à uma mulher da cor do pecado como ela, mas não queria, de jeito nenhum abandonar a esposa branca.

 

Adélia mentiu para não se tornar mãe solo pois enquanto Malu teve a opção de abrir um negócio quando foi deixada pelo marido, Adélia não teve nem ao menos a oportunidade de contar que estava grávida ao verdadeiro pai da criança.  

 

Além de tudo, Adélia é piedosa, compreensiva. Esquece o racismo das colegas entre um episódio e outro. Isso porque, você sabe, Adélia é a única personagem negra em “Coisa Mais Linda”.

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