Jéssica Gomes é o símbolo da mulher que busca promover a transformação na sociedade. Uma mulher que busca novas formas de trazer narrativas para que juntas, possamos agir pela equidade de gênero e para o empoderamento de meninas e mulheres.

Jéssica é uma mineira de 24 anos, a caçula da família, apaixonada por histórias, livros e filmes desde criança. No Ensino Médio fez um técnico em administração e saiu de lá já conhecendo um pouquinho sobre a área de comunicação  das empresas por conta de um estágio que fez no SEBRAE e foi assim que decidiu cursar Publicidade e Propaganda e começou um estágio na agência laboratório da faculdade logo no segundo semestre de curso, onde ficou um ano e em seguida foi para uma das maiores agências de Belo Horizonte, a Tom Comunicação, onde estagiou por um ano e logo foi contratada.

Nessa mesma época, Jéssica disse que passou a se sentir mal em relação ao seu cabelo, que alisava desde os 8 anos de idade. “Ir no salão toda semana, desde 8 anos (ali eu já tinha 20), começou a se tornar um fardo. Eu não aguentava mais tudo que não podia fazer sendo refém da escova perfeita. E, por mais que eu fosse em bons cabeleireiros, vivia frustrada por ninguém saber de fato como manter meu cabelo liso e com vida.

Gastava boa parte do que ganhava com cabelo também, o que só aumentava minha angústia. E foi assim que eu acordei tarde em um sábado e não fui. E no outro. E no outro. Comecei a me virar em casa com a desculpa da economia. Até que, três meses depois, eu precisava tomar a decisão entre alisar ou não o cabelo. E, por uma força maior, eu disse que não. Segui assim, fazendo algumas técnicas que descobria na internet para tentar passar pelo que, fui descobrir no meu do caminho, era minha transição capilar. Não foi fácil. Mesmo.

 

Ter um cabelo por 16 anos da sua vida e depois se desfazer dele era um processo longo e doloroso, pra mim. Pensei em desistir muitas vezes”.

 

Para se manter motivada, Jéssica decidiu entrar em uma pós-graduação para manter a mente ocupada de boas ideias, conseguiu uma bolsa e começou a estudar Branding, mas, mesmo concluindo o curso, ela diz que não foi o que esperava. Nessa época viajou para São Paulo para passar 15 dias com duas amigas para conhecer a cidade e fazer alguns cursos. Conheceu o Ladies, Wine and Design, um encontro com dez mulheres, vinhos e conversas inspiradoras. “Saí de lá encantada com a ideia de que mulheres estavam se unindo para conversar sobre os desafios de ser criativas na indústria. E mais do que falar sobre emprego, estávamos falando sobre dores como a minha, de passar por um transição sozinha, sem que ninguém na agência conhecesse minha realidade ou entendesse o que de fato significava isso para uma mulher negra.”

Apaixonada pela ideia e, em busca de criar um rede de apoio também em BH, quis levar esse conceito para Minas. Assim, chamou duas amigas, Gabi, Nath e Grazi para realizar esse plano. “Dois meses depois estávamos começando o Ladies, Wine and Design BH. De lá pra cá já foram quase dois anos de encontros e uma comunidade que cresceu de 3 para mais de 500 mulheres. Até porque a gente não parou no Ladies.

 

 

Começando a ouvir diferentes histórias que nos inspiraram a criar cada vez mais e mais projetos para ajudar a reescrever narrativas que, até então, eram as únicas verdades sobre mulheres em muitos setores e espaços sociais. Hoje, temos uma marca – a Navaranda – que é uma plataforma de conexões e conteúdos para novas narrativas.

Dos nossos projetos autorais, destaco aqui o Museu das Minas, que questiona a ideia de que mulheres só entram em museus como pinturas mas não ocupam todo o espaço que merecem como artistas; o Nutrir, que nos ajudou a, juntas, entendermos quais relações estamos alimentando e se são ao não saudáveis; e a Cidade das Minas, uma websérie que ajuda a romper com anos de invisibilização e revela seis protagonistas que estão ajudando a construir uma nova história para suas cidades. E, claro, o Plano de Menina BH, que mal começou, e já veio nos transformar de um forma poderosa. Descobri assim, um novo jeito de fazer comunicação. De escrever. E entregar conteúdo.

Descobri também uma responsabilidade ainda maior no meu trabalho, enquanto profissional que ocupa um espaço de poder, onde narrativas podem ser reforçadas ou desconstruídas. Fiz então da diversidade, inclusão e protagonismo compromissos inegociáveis. E isso foi o que me levou, em junho deste ano, ao Festival Internacional de Criatividade Cannes Lions. Fui escolhida para representar o Brasil em uma lista de 20 líderes criativas que estavam questionando os modelos da indústria e agindo para solucionar os problemas de gênero que enfrentamos na publicidade.”

No mercado publicitário, Jéssica diz que há uma história em que alguns grupos sociais foram apagados e algumas representações foram feitas de forma equivocada. “Por anos e anos fomos responsáveis por reproduzir discursos racistas, machistas, gordofóbicos e tantos outros sob a desculpa de que a propaganda era apenas um espelho da sociedade em que estamos inseridos. Um erro que não cabe mais. Já ficou claro que o que fazemos também impacta a comunidade – é uma via de mão dupla.

 

Ainda somos poucas, ainda mais de onde falo, enquanto mulher negra em espaços de criação. Sofremos com o assédio enraizado nesse modelo de negócio, sofremos com a falta de semelhantes, sofremos com a falta de olhares diversos para compreender e respeitar diversas realidades. E, como consequência, para representá-las como merecem, sem recorrer a vieses e estereótipos.”

 

O projeto Naravaranda possui um trabalho incrível em prol das mulheres e a Jessica diz que estão ainda descobrindo formas de mudar o mundo. “São espaços de trabalho, de inspiração, de colaboração diferentes de tudo que já vi. Ali cabe riso, choro, cabe ‘não sei’ e cabe vamos juntas.

Existe algo poderoso em não se descobrir sozinha. Seja em uma jornada profissional, como tentar pedir um aumento, ou pessoal, como ser mãe. E, juntas, estamos descobrindo o que é ter uma comunidade que nos apoia e impulsiona. Vimos negócios saírem do papel, planos de vida mudarem por completo, desconhecidas virarem irmãs. E, agora, com o Plano de Menina estamos aprendendo como começar a desconstruir desde cedo as histórias erradas que sempre contaram sobre o que é ser mulher.”

Com forte atuação dentro das agências de publicidade, Jessica diz que tem visto esse mercado começar uma conversa a respeito da diversidade, mas que ainda há muita coisa a ser feita. “Estamos todos aprendendo juntos, mas agências precisam também tornar a diversidade um compromisso de seus próprios negócios – e não só na comunicação de seus clientes.

Antonio Lucio, ex-CMO da HP (agora no Facebook), me disse algo em Cannes que levo sempre comigo: ‘só vamos avançar com essa pauta quando estivermos dispostos a tomar atitudes corajosas. A romper com o que sabíamos – ou achávamos que sabíamos. E nem todo mundo está disposto a descobrir que não sabe’. E ele teve essa coragem enquanto estava na HP ao pedir que as agências que o atendiam fossem, em suas equipes, tão diversas quanto o público da marca. Assim, ele conseguiu provocar mudanças valiosas em estruturas que não estavam caminhando nessa direção. Precisamos ver isso acontecer, cada vez mais.”

Durante a carreira, Jéssica diz que já passou por episódios de assédio moral, mas que na época nem sabia que isso existia. “A estagiária não tem muita voz. Mas acredito que as piores coisas que já ouvi vem do fato de eu ser uma mulher negra. Do meu cabelo à comentários racistas sobre “ser coisa de preto” já aconteceram. Lembro de um briefing que um colega recebeu, que pedia para retirar a família negra. E não era o primeiro. Sobre esse briefing, escrevi um texto e comecei a espalhar o recado: isso é racismo e você que repassou esse job para uma pessoa negra, além de insensível é cúmplice.”

 

 

Com todo esse engajamento, essa mulher poderoso tem muitos planos pra realizar e um deles é justamente desafiar modelos e narrativas da publicidade. “Tudo que faço é em resposta para entender como meus privilégios podem ajudar outras mulheres, outras pessoas marginalizadas, a chegarem onde querem. Pensei algumas vezes em mudar de área mas entendi, finalmente, que preciso ficar e seguir questionando como a criatividade pode sim transformar narrativas. Como a criatividade pode transformar a exceção que ainda sou em muitas.”

Para todas as outras mulheres que querem transformar suas realidade e construírem uma vida com propósito, Jéssica diz que o importante é buscar apoio umas nas outras. “Cuidem da saúde mental de vocês e seja tudo que são. Nada a menos. A publicidade precisa de novas histórias – e a sua é uma delas.”

A Jéssica é uma mulher incrível, que realmente faz acontecer por onde passa e deseja transformar a vida das pessoas ao redor, construindo novas narrativas e fazendo cada vez mais com que mulheres de todas as raças e idades, tenham vez e vos para fazerem e serem quem elas quiserem. É uma mulher que nos inspira e que esperamos ter inspirado você também.

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