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Da sinceridade Eu arregalei os olhos e tive a impressão de ter sido coroada por um punhado de interrogações. “Oi?” “Como?” “É comigo?” Me lembro de me sentar lentamente no canto do sofá encolher as pernas e torcer os pés um de frente para o outro, feito criança envergonhada, e me encher de mágoa, de uma dor no peito de quem não compreende o que há de errado.

E a voz do outro lado continuava incansável, um verbo engatado no outro, uma malcriação de adjetivos intermináveis, um não sei o que de ira. Eu cocei o couro cabeludo, encurralada entre as almofadas de veludo que enfeitam o sofá e senti um medo terrível, um medo de ser exatamente tudo aquilo e nunca ter me dado conta da minha condição abominável. Eu só queria me desculpar, me desculpar de minha existência.

A tal voz, me dizia “eu tenho que ser sincera” e continuava impetuosa. Eu, incrédula, me preocupei com a sinceridade desmedida. Não sei! Tenho cá para mim que é preciso ter cuidado, ser mais gentil do que sincero. Mas essa sou eu! E, eu sempre tinha me imaginado uma flor.

Tive vontade de rogar, quase em prece. Por favor, se é para me quebrar em partes, deixar meus músculos doloridos e lavar meu rosto em lágrimas não seja transparente. Guarde sua franqueza em cofres bem lacrados e me deixe me sentir flor.

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