Chiara Martini nasceu em julho de 1983 em Indaiatuba, interior de Sao Paulo e lá viveu até os 17 anos. Infância na rua com queimada, pic bandeira, elástico, piscina e muitos amigos correndo pra lá e pra cá. Sempre foi ativa, cheia de energia, a ponto de fazer seus pais passarem por poucas e boas como dois braços e um pé quebrados ao longo da infância e adolescência. Aos 17 anos, mudou para São Paulo para fazer faculdade e ficou  na “cidade grande” por 14 anos, até 2015. “Sou apaixonada por São Paulo, me deu uma carreira cheia de oportunidades, me trouxe pessoas incríveis, amores leves, amores doidos, momentos que vou guardar pra sempre e dentro de mim até hoje tenho dúvidas se volto ou não. Mas por hora, não”, diz ela.

Chiara trabalhava na Heineken como Gerente de Conteúdo e Mídia, com uma carreira estabilizada, em uma das marcas de cerveja mais bem conceituadas do mundo quando, em 2015, recebeu uma proposta pra trabalhar em Nova Iorque, em uma gigante agência de publicidade americana, a DDB. Ela foi ocupar espaço como Diretora de Estratégia de Social Media, com medo e alegria ao mesmo tempo. “Acho que foi o momento que realmente entendi que podemos sentir coisas opostas ao mesmo tempo: medo e coragem, vontade de ficar e ir embora, saudade e vontade de explorar novas coisas. Tudo junto dentro de uma pessoa só. Foram 2 anos por lá mas acho que cresci 10. Se ver em uma cultura diferente, tendo que se virar pra se achar, pra se entender. Estar sozinha quando você descobre um lugar novo ou quando está doente. A vida é sabia e sempre coloca pessoas que nos tocam e nos ajudam, mas no final do dia você está com você e é isso. Foi onde aprendi também que a gente só está sozinha nesse mundo quando a gente não está consigo mesma. Eu nunca me senti sozinha, solitária por vezes, mas sozinha nunca.”

 

 

Em 2017, a vida deu uma reviravolta mais uma vez. Quando Chiara estava se sentindo mais segura e estabilizada, achando que permaneceria em Nova Iorque ainda por muitos anos,  vem a vida e aponta pra outro lugar. Ela recebeu uma proposta para trabalhar na Diesel, como Head Global de Conteúdo e Mídia. E lá foi ela mais uma vez. Mudou-se para a Itália, numa cidade pequenina perto de Veneza, e acredita que agora está vivendo sua melhor fase profissional e, por consequência, a mais desafiadora.

“Por hora estou aqui, no meio das montanhas, arranhando meu italiano e aprendendo a harmonizar trabalho e vida pessoal de uma forma nova. Daqui pra frente eu confesso que não tenho a menor ideia de como vai ser. E isso me deixa muito feliz.”

Sobre o mercado da propaganda, Chiara diz que vê um processo de mudança acontecendo e que espera que as mudanças sejam positivas para o consumidor. “Eu quero contribuir com uma mudança positiva, e fui entendendo – depois de muito bater cabeça e me sentir frustrada – que eu quero mudar isso de dentro, e isso vai fazer com que às vezes (mentira, muitas vezes) eu tenha que ir por caminhos que são difíceis, que envolvem pessoas que eu optaria por nunca me relacionar e por aí vai. Mas, mudar por dentro significa que a cada degrau que eu subo eu consigo promover algum tipo de mudança, por menor que seja. Quanto mais eu conquisto espaço, mais eu tenho autonomia pra influenciar e até mesmo decidir coisas que vão criar o impacto que eu acredito ser necessário. Pode ser que às vezes seja só um filme com uma mensagem bacana, mas outras vezes você vai decidir quem contrata, vai decidir com quem você trabalha, quais são seus parceiros, pra quem você vai dar a oportunidade, e aí que a gente tem que ter clareza do que quer construir, aonde quer chegar. E se não é fácil pra mim, eu fico imaginando pra quem não teve os mesmos privilégios e oportunidades que eu tive. E como eu posso contribuir pra mexer nessa estrutura.”

Ao falar se ela alguma vez sofreu preconceito por ser mulher, Chiara diz que sentiu isso pela primeira vez quando já estava em Nova Iorque e, em dose dupla: por ser mulher e estrangeira. “Demorei um pouco pra entender (ou talvez aceitar) que, por mais que eu tivesse mais experiência eu não era a pessoa escolhida pra liderar um determinado projeto, que quando eu fazia reunião com alguns VPs e o tal do board, eles só se direcionavam ou olhavam para os homens quando estavam falando, que por inúmeras vezes eu fui interrompida com a desculpa de que era melhor uma pessoa “nascida nos EUA que falava melhor inglês” continuar. Tive cliente que pediu pra trocar o time porque tinha muito estrangeiro e como era uma marca americana, preferia lidar com americanos. Tive concorrência que eu trouxe pra dentro da agência mas meu chefe deu a liderança pra um cara do time – com menos experiência, menos conhecimento da marca. Quando você trabalha num lugar onde 95% da liderança é masculina, é muito complicado conseguir espaço, porque mesmo as mulheres que estão na liderança raramente confrontam o sistema porque têm medo de perder o lugar que ocupam. Mas, pra mim, ocupar um lugar de liderança sem atuar como uma líder não faz muito sentido.”

 

 

Com passagens por marcas tão importantes como a Heineken, DDB e Diesel, Chiara diz que teve muitos aprendizados. “A Heineken foi o lugar que eu acho que eu desabrochei profissionalmente, que realmente tive oportunidade, autonomia, que tive alguém que me direcionou, desenvolveu e me deu oportunidade pra crescer. Foi onde aprendi o poder de ter uma líder, não uma chefe. Do quanto a gente pode ajudar e direcionar a carreira de uma pessoa sendo profissional, entendendo o perfil da pessoa e dando oportunidades pra essa pessoa se desenvolver. Te amo, Daniela Cachich. A DDB me trouxe casca corporativa. Não foi um dos lugares mais inspiradores em que eu trabalhei, mas me ensinou a jogar na adversidade, a engolir a birra e estar presente, ser profissional e entregar, mesmo quando o ambiente tenta fazer você duvidar da sua capacidade. A Diesel é a minha primeira experiência em uma posição global, e ela vem cheia de oportunidades e expectativas, o senso de responsabilidade é maior do que nunca, e o medo de falhar também. Tenho um chefe que me dá espaço e oportunidade pra trazer meu ponto de vista, minhas ideias e que sempre deixa claro que eu tenho o suporte dele. Ele tem uma visão muito clara do que ele quer construir pra essa marca, mas ele não impõe, ele direciona, e isso faz muita diferença. Faz 1 ano que estou vivendo essa experiência e eu sinto frio na barriga a cada desafio novo que a gente tem pra enfrentar. Frio bom. Também estou aprendendo a ter um olhar mais macro de comunicação, e desenvolver coisas que partam de uma verdade global, mas que tenha execuções locais de forma que elas façam real sentido em cada um dos mercados e se desenvolvam da melhor forma. É uma jornada que ainda está só começando.”

Em relação às questões de gênero, Chiara Martini diz que é possível perceber uma grande diferença entre as culturas dos diferentes países pelos quais passou. “Sinto a Itália bem menos avançada que o Brasil, por exemplo. Os questionamentos que vejo e acompanho no Brasil ainda não chegaram por aqui, então requer um esforço enorme para andar 1 milímetro. Vejo que muito se faz no filme que vai pra rua, mas pouco na cultura da empresa, na contratação de pessoas, no desenvolvimento de talentos. Isso ainda acho comum nos 3 lugares (Brasil, Nova Iorque e Itália). Se a gente tivesse uma escala, eu diria que questões de gênero ainda estão longe de serem realmente parte do pensamento e da conversa. Como mulher, sei que também existe diferenças e privilégios e muitas vezes coloca-se tudo no mesmo discurso como se fosse uma questão única universal.”

É complicado para uma mulher ganhar espaço no mercado. Quando acontece, na grande maioria são as mulheres brancas e eu ainda não consigo celebrar isso como uma vitória para as mulheres quando a maioria não tem nem a oportunidade de entrar no jogo. É nessas horas que a gente tem que pensar o que a gente pode realmente fazer pra contribuir.

Hoje, com a atual crise, muita gente pensa em sair do Brasil e tentar novas oportunidades em outros lugares do mundo. Para quem está com este objetivo, Chiara dá um conselho com propriedade, porque ela viveu e está vivendo ainda esta experiência de trabalhar fora do seu país de origem: “Se você pode ter acesso a melhores oportunidades, deveria explorar. Para quem vive uma história parecida com a minha, uma coisa que eu posso dizer é que não importa a cidade em que você vive, os dilemas interiores mudam junto com você, o que você vai ter é a chance de olhar pra eles por novas perspectivas.”

Quando falamos sobre planos, Chiara diz que tem muitos ainda. Ela quer continuar aprendendo e não deixar que a vaidade tome conta pra que possa evoluir mais a cada dia. Ela diz ainda que é importante entender que ninguém é dona da verdade, mas que tudo bem se tiver uma opinião muito forte sobre um determinado assunto, desde que também esteja aberta às mudanças. Pra completar, Chiara diz que quer ajudar outras mulheres ocuparem espaços, porque trabalhar juntas é algo que traz resultados positivos para todas.
“Meu plano como mulher é aproveitar a minha posição e os meus recursos para abrir caminhos e oportunidades para outras. Eu aprendi a amar ser mulher e ter mulheres em volta de mim ao longo da vida, não foi algo que eu nasci sentindo. E cada vez mais eu fico maravilhada com a força e com a capacidade que temos, ainda mais quando estamos juntas. É muito forte. A gente tem uma capacidade enorme e não reconhece, fica com medo de pedir aumento, de dar opinião em reunião, de tomar à frente. Enfrentar esse medo e se expor, pra mim, foi o jeito de conseguir espaço. Quando a gente reconhece nosso potencial entende que na verdade a empresa precisa mais da gente do que a gente dela. Que apesar da necessidade do salário, a gente precisa entender a necessidade do valor. Do nosso valor.”

Valorize a si mesma, a sua história, sua trajetória. De fato, isso é muito importante. Se nós não acreditarmos em nós, no que somos capazes, quem fará isso? Bater esse papo com a Chiara foi muito enriquecedor, sua história serve de inspiração mostrando que podemos realizar planos incríveis em qualquer lugar do mundo.

Que tal compartilhar outras histórias de mulheres inspiradoras? Manda pra gente por e-mail no elatemumplano@planofeminino.com.br, que logo contaremos essas histórias aqui.

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