“A maternidade é um caminho de volta pra casa”

Cinthia Dalpino
escritora e mãe de Eva, 9 anos, e Aurora, 6 anos

 

Jovem, bem-sucedida e com uma carreira promissora pela frente. Há nove anos, Cinthia Dalpino estava onde muitas mulheres gostariam: trabalhava no maior canal aberto da televisão brasileira, gerenciando o escritório de uma famosa apresentadora de TV. Mas a súbita decisão de engravidar fez a vida dar um daqueles loopings que faz tudo virar de cabeça pra baixo. Após o primeiro ano de maternidade, Cinthia se viu numa encruzilhada. De um lado, amava o que fazia e tinha tudo pra crescer na profissão. De outro, não suportava conviver com a situação de deixar a filha o dia inteiro na escola.

 

Foi, então, que ela precisou tomar a decisão mais difícil de todas: dizer adeus a um emprego dos sonhos para arriscar a sorte, na cara e na coragem. Cinthia teve a segunda filha e vivenciou a maternidade de forma intensa durante algum tempo.

 

Até que ela se viu perdida naquele novo papel de mãe exclusiva e sentiu a necessidade de mudar, mais uma vez.

 

“Eu era uma estranha. Não sabia mais quem eu era. Tinha que me reinventar.”

 

Cinthia foi em busca do que sabia fazer bem e que podia garantir seu sustento familiar sem precisar bater ponto num trabalho formal. Criou um site para falar de carreira e maternidade, partilhou sua história com outras mulheres e se tornou escritora de livros oficialmente assinados por outras pessoas, ou seja, uma ghost writer.

 

Hoje ela exerce seu ofício com os mesmos amor e entusiasmo que sente no seu papel mais nobre, o de ser mãe.

 

“A maternidade foi um divisor de águas que impediu que eu me desconectasse de tudo aquilo que eu sentia que tinha nascido para fazer”,

 

ela diz. Foi essa reviravolta que fez Cinthia escapar da insatisfação e da frustração de não conseguir passar tanto tempo com as filhas quanto gostaria. Se ela marca uma reunião, avisa logo que terá de buscar as filhas na escola no horário combinado, e tudo bem. O desafio diário é manter o equilíbrio entre as demandas da vida, cuidando igualmente da sua saúde mental e emocional, coisa que ela faz com meditação, exercícios físicos e terapia. “Tenho me permitido ser quem eu sou. E isso não tem preço.”

 

Confira a entrevista!

Plano Feminino: Como era a profissional Cinthia antes de ser mãe?

Cinthia Dalpino: Eu era uma profissional muito focada no trabalho, na carreira, na vontade de prosperar, de ser bem-sucedida. Trabalhava de domingo a domingo, sem hora pra começar ou terminar.

PF: Com o que trabalhava e como era a sua relação com o trabalho?

CD: Sempre trabalhei com jornalismo de entretenimento. Quando engravidei, estava gerenciando o escritório de uma apresentadora de TV (a Ana Maria Braga), onde eu gerenciava a marca dela, e todo o entorno, desde campanhas publicitárias a livros e comunicação na internet. Minha relação com o trabalho era de uma pessoa que se dedica 200% para tudo dar certo e fazer as coisas acontecerem. Eu tinha uma equipe excelente e uma chefe maravilhosa que me inspirava a ser cada vez melhor.

PF: Ser mãe era um plano seu? De que maneira a maternidade se tornou um propósito de vida?

CD: Sempre quis ser mãe, mas não achava que seria tão cedo. Tinha 27 anos quando a pessoa que eu mais amava na vida faleceu, meu tio-avô, com quem eu tinha uma profunda relação de amor e carinho. Eu sentia que minha vida tinha ficado cinza e não via mais graça em nada. Até que decidi engravidar. Era como se precisasse preencher um vazio, de alguma forma.


PF: O que mudou profissionalmente após você se tornar mãe? E de que forma isso aconteceu?

CD: Assim que decidi engravidar, eu e meu namorado embarcamos na ideia e logo aconteceu. Eu nem imaginava a transformação que teria na minha vida. Nem de longe. Trabalhei até 40 semanas de gestação e ela nasceu com 42 semanas. Quando nasceu, eu pensei ‘e agora?’. Ela me desestruturava. Primeiro porque eu não sabia lidar com algo que não tinha controle. Então, queria voltar a ser a velha Cinthia, porque no trabalho eu sabia fazer tudo. Como mãe, não. Voltei ao trabalho antes dos quatro meses, por opção, e tinha um berçário para que eu a levasse todos os dias comigo. Eu vivia o melhor dos mundos.


PF: Intimamente, o que te moveu a promover as transformações que você vivenciou?

CD: Quando Eva fez 1 ano, a cuidadora que trabalhava comigo, a Jana, decidiu sair. Ela me disse que sentia falta dos filhos porque chegava tarde em casa. E os filhos dela tinham três anos. Eu pensei ‘nossa, mas eles nem são bebês’. E coloquei Eva na escola, porque achei que ia ser simples, já que ela tinha um ano. Foi o período mais tenebroso da minha vida. Eu não conseguia trabalhar, não conseguia sobreviver com ela na escola. Ficava 24 horas por dia pensando que tinha abandonado a minha filha. ‘Por que eu tive filhos? Pra deixar o dia todo na escola?’, pensava. Mas amava o meu trabalho. E isso era o mais dolorido.

Então, conversei com a minha chefe, a Ana Maria Braga, dizendo que eu queria ser mãe. Que eu queria experimentar só ser mãe. Ela achou estranho, porque sabia do meu empenho no trabalho. Mas entendeu a minha escolha. Me dediquei 100% à maternidade, tirei ela da escola, e decidi ter outro filho. Aurora nasceu, fiquei com as duas em casa e me vi sugada de todas as formas. Eu não era mais a Cinthia que eu conhecia. Eu era uma estranha. Não sabia mais quem eu era. Tinha que me reinventar. Profissionalmente, porque tinha duas filhas que eu não queria deixar na escola, e como pessoa. Nesse movimento, eu busquei o que fazia de bom, porque a ideia era um trabalho que eu pudesse integrar à minha rotina, sem precisar ser refém de horários de entrada e saída.

Foi quando decidi me tornar ghost writer, que era escrever livros para autores e editoras. Já tinha feito aquilo e sabia que podia. Joguei a minha intenção para o Universo e as coisas naturalmente começaram a acontecer. Busquei a Jana, a mesma cuidadora da Eva, e ela ficava 4 horas por dia com elas para eu trabalhar. E fomos estendendo o período conforme fui conseguindo mais oportunidades profissionais.


PF: Como você define a sua atuação profissional no momento?

CD: Como ghost writer eu tenho uma credibilidade porque já foram mais de cinquenta livros escritos. Isso me traz segurança para exercer o que faço. Gosto muito e preciso zelar pela minha saúde mental constantemente porque peco por excesso de trabalho, porque gosto demais do que faço.


PF: E como você descreve a sua relação atual com o trabalho?

CD: Estou realizada com meu trabalho. E integro ele muito bem com a minha vida de mãe. Sou separada do pai delas, então conseguimos dividir os dias da semana e aproveito para focar no trabalho nos dias que elas estão na casa dele. Nos dias que estão comigo eu faço mais atividades voltadas para elas. Profissionalmente, percebo que estou mais segura desde que comecei a me posicionar no mercado colocando que tenho duas filhas e sempre marcando as reuniões com o adendo ‘preciso buscar as filhas na escola meio dia’, ou coisas do tipo. Transmito sempre com clareza que elas estão na minha agenda, e é comum os autores com os quais trabalho já saberem disso, respeitarem e até perguntarem. As atividades profissionais também me permitem que eu integre elas no meu cotidiano.


PF: Qual o principal ganho ou diferencial que a maternidade trouxe para a Cinthia profissional?

CD: Eu sou uma pessoa muito mais humana. Acho que a maternidade é um caminho de volta pra casa, para a nossa essência. Sou comprometida com o mundo que quero deixar para elas, e isso faz com que eu escolha os trabalhos nos quais quero me engajar. Profissionalmente estou mais conectada com meus valores, e sintonizada com o que quero passar como exemplo de mulher para que minhas filhas tenham essa referência. Também aprendi a me mostrar vulnerável. Coisa inadmissível para a Cinthia sem filhos. Eu erro muito, aprendo com meus erros, exponho meus erros. Tanto no trabalho como na vida pessoal. Tenho me permitido ser quem eu sou. E isso não tem preço.

 

PF: Como você vê a busca pelo propósito que se fala tanto hoje em dia? 

CD: Sempre fui muito inquieta desde jovem. A busca começou quando eu era nova e migrava entre as religiões tentando encontrar um sentido para a vida. Eu sempre tive essa conexão espiritual, independente da religião que participava, e essas religiões, de certa forma, me reaproximavam de trazer algum significado para tudo o que eu fazia. Quando comecei a trabalhar, sempre que me sentia desconectada de mim, me afastava da essência e do propósito que eu sentia que tinha para a vida. Por isso também vivia mudando de trabalho para que trabalhasse com algo que fizesse sentido. Evidentemente nenhuma religião me aproximou mais da divindade, da cura e da espiritualidade como a maternidade. A maternidade foi um divisor de águas que impediu que eu me desconectasse de tudo aquilo que eu sentia que tinha nascido para fazer.

 

PF: Você acha que essa busca por propósito tem diferença para mulheres que são mães?

CD: Depende. Algumas mães não se deixam transformar pela maternidade com medo de perderem aquela pessoa que elas conhecem, aquele lugar seguro. E quando a gente se redescobre é uma bagunça mesmo. Fica do avesso, enxerga coisas que não quer enxergar em nós mesmas e se transforma. Não são todas as pessoas que querem esse mergulho profundo. Muitas ainda estão na superfície da maternidade e se sentem bem assim, porque ficam apavoradas com mudanças.

Para quem se entrega às transformações todas que a maternidade traz, isso tudo vem mais forte. Vejo muitas mães que não veem sentido em trabalhos que não trazem contribuição, depois que se tornam mães, porque enxergam a vida de outra forma. Geralmente se a mulher está num trabalho que não traz sentido para a vida dela, quando nasce o filho, ela enxerga isso com mais clareza e fica angustiada, porque é muito visível que a criança traz uma nova régua pra vida dela.

 

PF: Como você percebe a relação das mulheres que são mães com a carreira e o trabalho? Isso tem mudado ao longo do tempo?

CD: Vejo muitas mulheres insatisfeitas porque não conseguem estar com os filhos o tempo que gostariam. Outras correm contra o tempo para dar conta de tantas demandas. A divisão com o parceiro ainda é rara, mesmo nos dias de hoje. A sociedade em geral vê como obrigação da mãe as tarefas com a criança. Todas elas: dentista, reunião escolar, passeio de classe, almoço, fora as tarefas domésticas. E isso inviabiliza que a mulher possa ter tempo para ela, para os filhos, para a carreira. Essa frustração contínua vira uma bola de neve. Vejo muitas mães com a saúde mental debilitada. Muitas mães em quadro de depressão e com síndrome do pânico. Mulheres que não conseguem ficar mentalmente saudáveis pelo simples fato de que é impossível relaxar, piscar e os cuidados emocionais, físicos, e tudo mais, são necessários 24 horas por dia. Filhos demandam atenção, amor, cuidados que vão além de comida, banho e roupa limpa. E as mães se sentem mal quando a criança tem um resfriado, como se fossem culpadas por isso. Então, voltamos à pergunta: Como é a relação das mulheres que são mães com carreira e trabalho? Como dá pra ser? Nunca vai ser igual ao que era antes. Ser mãe e trabalhar é não relaxar nunca. É tremer quando vê o telefone da escola no visor do celular, é ter tantas tarefas no dia que, quando a gente deita, morre de exaustão e tenta entender onde falhou.

Demorei muito tempo para me organizar, para reconquistar minha saúde mental, para adquirir o comando da minha vida, não me preocupar tanto com a casa, não me punir quando elas ficavam doentes ou me cobrar menos no trabalho. Isso requer tempo e leveza na condução dessa dupla jornada, porque não temos compaixão por nós mesmas. Nos cobramos, acreditamos que, se não dermos conta, o mundo vai acabar, e ainda tememos não ter dinheiro pra colocar comida na mesa. São muitos fatores que desestabilizam. Por isso, quanto mais se buscar o equilíbrio interno, mais fácil fica para conseguir enfrentar essas demandas. Sempre fui adepta de tratamentos alternativos e hoje sou rigorosa com isso. Faço meditação diariamente, terapia, exercício físico. E tudo que me deixa mais forte internamente para poder lidar com o caos que a vida vira após a maternidade e surfar nessa onda sem querer dar conta de todas as demandas. Então, quanto mais demandas tivermos, mais complexo será lidar com a carreira, porque não conseguimos focar naquilo que estamos fazendo sem as preocupações rotineiras.

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