Quando resolvi fazer minha primeira viagem sozinha, de cara ouvi: “mas você vai em grupo, com alguma agência, né?”. O meu frio na barriga não era só meu. Em volta, muita gente se preocupava que uma mulher sozinha saísse por aí, mundo afora, sem ninguém, sem “proteção”, sem suporte.

Mas eu, que aos 37 anos já tinha tido tantos ganhos e tantas perdas, já tinha entendido que a minha vida cabia somente a mim, e por isso resolvi que era hora de experimentar o mundo por mim mesma.

Meu primeiro destino sozinha foi a Alemanha, onde metade do trajeto eu ficaria por minha conta e a outra metade encontraria um amigo, que me hospedaria. Fiquei ansiosa, adoeci às vésperas de embarcar, mas resisti, engoli o medo e fui sem pensar. O que eu imaginei que poderia se tornar um pavor ao me ver sozinha em um lugar onde eu não conhecia ninguém se transformou em uma sensação incrível de liberdade.

Eu era só mais uma pessoa entre todas as pessoas do mundo. Praticamente invisível. Quando a gente se percebe nessa condição, entende que se não formos por nós mesmas, ninguém mais será. A partir daí, comecei a me aventurar aos poucos e a me sentir cada vez mais confortável na minha própria companhia por aí.

Fui aprendendo a treinar meu olhar para coisas que quando estou acompanhada não observo com tanta minúcia, a escolher programas que me agradam pelo simples prazer de estar lá.

Viajar sozinha é poder parar para olhar. Entrar em portinhas, sentar em bancos e sentir o lugar em silêncio. Viajar sozinha é contemplar. Não vou abordar aqui os cuidados necessários em uma jornada solitária – ou acompanhada – mas os ganhos de se saber sozinha e inteira.

Quando fiz 40 anos, me dei de presente um intercâmbio de um mês em uma escola para maiores de 30 em Londres. Foi a coisa mais incrível que poderia ter feito por mim. Viver um mês em uma residência estudantil, passar meio período na escola e outra metade do dia em museus, parques, ou apenas fazendo nada, olhando as pessoas, como se comportavam, como era a vida naquele lugar.

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Viajar sozinha também é isso: não ter o compromisso de acompanhar um grupo, seguir aquelas regras, mas obedecer a si mesma e a própria vontade.

Em Londres conheci pessoas incríveis, com quem mantenho contato até hoje. Gente daqui mesmo, brasileiros que dividiam classe comigo ou gente da minha cidade que estava por lá e com quem dividi shows, cafés, confidências – e continuo dividindo, até hoje.

Gente da Itália, Croácia, Turquia, Rússia, Suécia, Qatar, Venezuela, França. Foi com a Gabriela, que mora na minha cidade, aqui no Brasil, que assisti ao show do Ed Motta em uma igreja, em um dia, e ao musical Os Miseráveis, no dia seguinte. A amizade se mantém. Raquel, uma paulista amada, me chamou para a festa de 40 anos dela em dezembro passado.

 

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Sambamos a noite inteira, junto a muitos outros amigos feitos em Londres – Marcelo, Liliana, Alex – e que foram a São Paulo para brindar a vida com ela, fomos juntas ao show do Rolling Stones no Morumbi. O mundo ficou pequeno para nós, que estávamos todos viajando sozinhos, todos na mesma condição, e nos unimos.

Andei sozinha à noite pelas ruas, passei por becos estranhos, vi inferninhos londrinos, em busca do bar-livraria mais incrível onde já estive. Lá, depois de dois Hemingway Daiquiri dancei uma rumba dos anos 30 com um dj que se veste com roupas dessa época no dia a dia. Batemos um belo papo, vi livros incríveis nesse lugar. Vi pessoas vestidas no mais belo figurino vintage, felizes por estarem ali, ouvindo aquela música, bebendo aqueles drinks.

Nos dias frios de Londres me sentei nos parques nos dias de sol para me aquecer e sentir a vida pulsar. Andei por Camdem Town, Portobello, Brick Lane. Vi gente, muita gente. Fui vista.

Quando viajamos sozinhas, temos tempo de parar e olhar o horizonte. Parar e olhar o outro, e nos reconhecermos nele. Uma viagem solitária é a mais perfeita metáfora para a vida: estamos aqui como viajantes, começamos e terminamos a jornada absolutamente sós, não temos que depender da companhia de ninguém.

Os companheiros que andam por um tempo conosco, sejam anos ou dias, nos serão agradáveis porque estaremos bem com a nossa própria solidão. Eles estarão conosco enquanto quiserem ou puderem, porque na vida nada é definitivo. E a gente segue caminhando, viajando. Olhando o mundo e levando-o conosco, dentro, na memória, encontrando pessoas, vivendo.

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